Opiniões

O ótimo é inimigo do bom

Pluralidade horizontal de alíquotas prevista pela PEC 45 não induz à guerra fiscal nem implica complexidade

 

“O sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão” (Guimarães Rosa, in Sagarana)

Insanidades como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 42/19, do Senado, que, se aprovada, elimina a imunidade das exportações de produtos primários e semielaborados e arruína a competitividade do setor, explicam o inferno tributário brasileiro. Os ventos reformistas acendem o debate tributário e duas propostas de reforma tramitam no Congresso: a PEC 110/19, no Senado, e a PEC 45/19, na Câmara. O núcleo de ambas é a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que substitui o indecifrável cipoal de tributos indiretos federais, o estadual ICMS e o municipal ISS. Esta análise se aterá ao IBS, um imposto do tipo valor agregado (IVA).

As duas propostas preveem base ampla de bens e serviços, alíquota-padrão, legislação e arrecadação centralizadas, imunidade nas exportações, exoneração dos investimentos e adoção do princípio de destino para inibir a guerra fiscal. Ambas preveem, também, um imposto seletivo federal com finalidade extrafiscal para desestimular o consumo de bens danosos à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas. A operacionalidade de ambas pressupõe a construção de uma imensa plataforma de informações para receber e processar online dados de todas as transações comerciais do País.

A PEC 110, do Senado, no parecer do relator (a redação original é pior) cria um IBS na competência federal e outro na estadual, este partilhado com os municípios, que perdem o ISS e ficam com 34,93% do IBS estadual. Prevê, ainda, a concessão, via lei complementar, de isenção para uma lista de bens e serviços essenciais; mantém os benefícios da Zona Franca de Manaus; e, no escurinho do parecer, cria a Zona Franca do Maranhão! Tais exceções comprometem sua qualidade.

A PEC 45/19 cria um IBS com base igual à do anterior, mas prevê significantes diferenças federativas e estruturais. Cada um dos três níveis de governo (União, Estados e municípios) impõe sua alíquota, padronizada e uniforme, e haverá uma “banda” dentro da qual Estados e municípios poderão exercer sua autonomia federativa. Essa possível pluralidade horizontal de alíquotas não induz à guerra fiscal – o imposto é cobrado no destino – nem implica complexidade, pois dentro de cada ente federado a alíquota será uniforme. Prevê a manutenção do regime diferenciado às micro e pequenas empresas (Simples e MEI), o que permite excluir da incidência do IBS os pequenos contribuintes – industriais, comerciantes e prestadores de serviços –, invalidando as críticas de seus opositores, que se escondem atrás de botequins e manicures para apedrejá-lo.

Há graves conflitos, federativos e setoriais, a serem superados, que poderiam ser mitigados com pequenas mudanças: 1) definição de uma alíquota reduzida – limitada, digamos, a 1/3 da alíquota-padrão – para a prestação de serviços finais, neles incluído o fornecimento de refeições, a pessoas físicas (as prestações a pessoas jurídicas serão beneficiadas com o IBS); e 2) exclusão dos municípios do guarda-chuva do IBS, dando-lhes, em troca, competência para instituir o Imposto sobre Vendas e Prestações de Serviços a Varejo (IVV), também restrito às vendas e prestações a pessoas físicas. Uma pequena alíquota (algo como 2%, o que é adequado para esse tipo de imposto) seria suficiente para reproduzir a atual arrecadação do ISS e simplificaria imensamente o debate.

Essas modificações não trariam complexidade adicional: a inserção do CPF do cliente no emissor de cupom fiscal automaticamente direciona o sistema para os impostos e alíquotas correspondentes e destaca os montantes de tributo dos três níveis de governo. O modelo perderia alguma elegância conceitual, mas não a simplicidade. Como reza a sabedoria popular, o ótimo é inimigo do bom.

*Clovis Panzarini é economista, sócio-diretor da CP Consultores Associados LTDA., foi coordenador tributário da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo

**Artigo publicado originalmente em O Estado de S.Paulo de 08 de novembro de 2019

***Créditos da foto: Anna Carolina Negri/Valor

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