Mudanças trazidas pela nova Lei de Franquias (Lei 13.966/2019)
Foi promulgada em 27 de dezembro de 2019 a nova lei para a regulamentação de franquias empresariais, a Lei 13.966/2019, que entrará em vigor em 90 dias após essa data, revogando a Lei 8.955/1994, que tratava do mesmo tema.
A nova lei é, em realidade, um texto mais abrangente, se comparado à lei anterior, e que traz aspectos práticos que são habituais na relação entre franqueador e franqueados, como é o caso, por exemplo, da previsão de associação de franqueados, normalmente criadas para decidir quanto à aplicação de verbas de marketing, fortalecimento da marca e outras matérias de cunho comercial.
O novo diploma reforça ainda a inexistência de vínculo empregatício entre o franqueador e o franqueado e entre franqueador e os empregados do franqueado, matéria que ainda vem sendo questionada perante o Judiciário, tendo tais julgamentos sido favoráveis aos franqueadores em sua maioria, os quais são considerados parte ilegítima, sendo, portanto, excluídos das ações. Em decisões sobre o tema ficou estabelecido que os direitos do franqueador quanto à exigência em relação a procedimentos, padrões e treinamentos dos empregados do franqueado não caracterizam subordinação ou terceirização de serviços, inibindo assim o vínculo de emprego que se pleiteia[1].
Outra inovação desse texto legal é destacar a ausência de relação de consumo entre as partes contratantes do contrato de franquia, pois em se tratando de um contrato comercial, onde o franqueado normalmente é empresário, não se encontram presentes os requisitos do Código de Defesa do Consumidor[2], uma vez que o franqueado não poderia ser enquadrado como destinatário final no contrato de franquia, pois ele presta serviços ou vende algo para seus clientes, não estando ao fim da cadeia de fornecimento.
Da circular de oferta de franquia (COF)
A COF é um documento que deve ser enviado ao franqueado pelo menos 10 dias antes da assinatura do pré-contrato ou contrato de franquia, ou mesmo de qualquer pagamento pelo franqueado. Trata-se de documento elementar e tão importante quanto o contrato de franquia, pois é com base nele que o investidor toma conhecimento de informações relevantes do negócio.
Segundo o novo texto, a COF deve conter informações sobre os franqueados que se desligaram nos últimos 24 meses, em vez dos 12 meses da lei anterior. Essa mudança é importante, pois dará ao franqueado mais subsídios para avaliar a realização ou não do investimento. Isso porque um dos maiores alertas sobre a viabilidade de uma franquia ou rede de franquias é o fechamento de muitas unidades, o que pode sinalizar sua não sustentabilidade econômica e financeira.
Questão ainda muito relevante nos contratos de franquia é a territorialidade. A lei continua permitindo haver ou não exclusividade em uma dada área territorial. Contudo, exige que o franqueador esclareça na COF se há e quais são as regras de concorrência entre unidades próprias e franqueadas e entre os franqueados.
Existe ainda a obrigatoriedade de indicação de quais fornecedores o franqueado deve contratar para dar suporte ou abastecer sua franquia, situação muito presente em contratos de franquias vinculadas à alimentação, por exemplo, onde se exige um padrão em todas as lojas de uma rede de lojas, a fim de manter a qualidade dos produtos vinculados à marca.
A COF deverá especificar os itens que o franqueador deverá fornecer ao franqueado, quando assim houver tal compromisso, e em que termos, assim como o franqueador deverá especificar o tipo de suporte que dará ao franqueado, supervisão de rede e serviços, tal como já existia, acrescendo-se ainda como se darão a incorporação de inovações tecnológicas e treinamento de funcionários do franqueado.
A marca, um dos itens mais importantes em se tratando de contrato de franquia, também deverá ser objeto de detalhamento na COF. No documento, será listada sua caracterização completa, número de registro, classe, subclasse entre outras informações pertinentes, de maneira que o franqueado possa conferir a veracidade dos dados e realizar os questionamentos porventura necessários.
Deverá ainda estar contida na COF as regras de transferência ou sucessão, assim como a descrição de eventuais penalidades e a indicação de eventuais quantidades de compras mínimas pelo franqueado junto ao franqueador, a fim de que o franqueado possa estimar com mais clareza tal custo ao longo do contrato.
É de se ressaltar que essa mudança legislativa trouxe a figura da associação de franqueados, já existente há muito nos contratos de franquia. Essa associação congrega os franqueados e normalmente tem em seu estatuto deveres de ordem comercial, como definir verbas para campanhas de marketing, estratégia, entre outras matérias de aspecto comercial. Agora, o franqueador deverá especificar na COF um resumo dos poderes dessa entidade e como se dará sua fiscalização.
Da sublocação, foro e rescisão contratual
A sublocação do ponto comercial a ser explorado pelo franqueado é outra novidade. Há expressa permissão para a sublocação do ponto pelo franqueador. Contudo, seu limite é que não haja onerosidade excessiva e que preserve o equilíbrio econômico do contrato, tendo em vista que o imóvel estará sendo sublocado para a exploração da franquia. Portanto, há que se entender uma coexistência entre a locação e a atividade ali desenvolvida.
A previsão de resolução contratual por onerosidade excessiva já está prevista no Código Civil (artigos 478 a 480) e para contratos administrativos, na Lei 8.666/93[3], tendo em vista que a lei também se aplica a entes da administração pública. A existência de tal disposição é de extrema importância, pois a sublocação se dará em razão do contrato de franquia e em conjunto com esta deve ser entendida, ainda que existam instrumentos jurídicos apartados para cada contratação, com condições próprias a cada um deles. O objetivo do legislador é o de preservar a função social do contrato, tendo em vista que, sendo desmesurado o ajuste, ele importará, muito provavelmente, no fim prematuro da atividade, impedindo o desenvolvimento de uma relação, que em sendo saudável, geraria empregos, renda, tributos, entre outros benefícios à sociedade.
No mais, foi trazida ainda a possibilidade de estabelecimento de foro em país estrangeiro para os casos de contrato internacional de franquias. Nesta hipótese, os contratantes deverão manter representante legal, inclusive com poderes de citação no país escolhido. Tal opção, ao que tudo indica, somente se aplicará em uma pequena parcela dos casos pois a maior parte das franquias em funcionamento no país são de origem nacional, tendo ocorrido uma leve diminuição do total de marcas estrangeiras operando no Brasil de 2017 para 2019, saindo de 200 para 190 e, por outro lado, uma expansão internacional das marcas brasileiras, de 142 para 145 no mesmo período, conforme projeção 2018/2019 da Associação Brasileira de Franchising[4].
É bom ressaltar que havendo o descumprimento quanto ao prazo de entrega da COF ou mesmo seu conteúdo vir a contrair o disposto na lei, há a possibilidade de anulação do contrato ou sua anulabilidade. Ou seja, perda parcial de efeitos, além de outras penalidades como devolução de valores e sanções penais cabíveis, se for o caso.
Conclusão
Em sendo assim, entendemos que o novo marco legal das franquias empresariais busca trazer mais transparência nas informações transmitidas por ocasião da abertura de uma franquia, devendo o franqueador fornecer maior detalhamento da operação e histórico da empresa, o que ajudará ao franqueado realizar uma escolha mais consciente e informada quanto ao investimento que pretende realizar.
*Luciana Abreu é especialista em Direito Empresarial do escritório Gameiro Advogados, mestranda em Direito pela Universidade Cândido Mendes, com MBA Executivo em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas e pós-graduação em Direito Tributário.
**Artigo publicado originalmente na página do Conjur, em 14 de fevereiro de 2020