Rotatividade em restaurantes segue acima de 70% pelo terceiro ano seguido: é possível reverter?

Apesar das mudanças vividas pelo setor de alimentação fora do lar nos últimos anos, um problema segue inalterado e exige atenção. A alta rotatividade de profissionais permanece como uma das grandes barreiras para o desenvolvimento sustentável da área. Em 2024, o turnover em restaurantes alcançou 74,3%. Foi o terceiro ano consecutivo em que o índice se manteve acima dos 70%, uma marca que resiste mesmo com a recuperação do setor e a retomada da economia pós pandemia. Diante disso, surge uma questão essencial para empresários e operadores: será possível, de fato, reverter esse cenário?
A análise da série histórica ajuda a entender o cenário. Em 2020, a taxa era de 38,1%, próximo da média geral da economia. A partir daí, a escalada foi rápida. Em 2021, o índice saltou para 64,7%. No ano seguinte, chegou a 78,1%. Em 2023, ficou em 77,6% e, agora, em 2024, recuou levemente. Mesmo assim, segue muito acima dos 43,6% registrados pela média da economia brasileira, e dos 35,5% do setor de serviços. A diferença entre os restaurantes e o conjunto da economia ultrapassa 110%. Isso significa que, na prática, três em cada quatro vínculos de trabalho em restaurantes são encerrados ao longo de um único ano.
Essa realidade se sustenta em dois grupos de fatores. Os estruturais envolvem questões antigas e bem conhecidas pelos operadores. Jornadas intensas, horários alternativos (noite e fim de semana), salários médios de entrada mais baixos e uma falta de visão de crescimento no setor como carreira. Ainda hoje, muitos trabalhadores veem o emprego em restaurantes como ocupação provisória, um meio para alcançar outras áreas. Sem engajamento ou perspectiva de continuidade, a permanência se torna improvável.
Os fatores conjunturais também desempenham um papel importante. A pandemia acelerou transformações no mercado de trabalho, promoveu rupturas e impulsionou o crescimento da informalidade. Paralelamente, surgiram novas oportunidades de emprego em setores como varejo, logística, delivery e serviços digitais, que muitas vezes oferecem maior flexibilidade ou melhores condições. Nesse cenário, os restaurantes passaram a disputar uma mão de obra mais exigente priorizando flexibilidade e reconhecimento de curto prazo.
As consequências da rotatividade elevada vão muito além da gestão de pessoas. Elas afetam diretamente a operação e a experiência do cliente. O alto número de contratações e demissões pressiona os custos operacionais e aumenta o tempo e os recursos gastos com recrutamento, seleção e treinamento. Também compromete a consistência do atendimento, prejudica a eficiência da equipe e enfraquece a construção de uma cultura organizacional sólida. Quando os times mudam o tempo todo, fica mais difícil promover valores, desenvolver lideranças e manter padrões elevados de entrega. Sobretudo, constitui um forte entrave ao crescimento.
Apesar desse panorama, é possível avançar. Existem iniciativas dentro do setor que demonstram resultados positivos. Algumas redes vêm estruturando planos de carreira claros, com trilhas de capacitação acessíveis e oportunidades reais de crescimento. Outras têm investido em escalas mais flexíveis, ações de bem-estar e programas de reconhecimento que ajudam a reforçar o sentimento de pertencimento. A valorização dos profissionais, quando é colocada no centro da estratégia, contribui para elevar a produtividade e a fidelização das equipes.
Profissionalizar a gestão de pessoas no foodservice é um passo urgente. E isso passa, também, por mudar a imagem que se tem do setor. Valorizar o trabalho em restaurantes como uma carreira possível, estruturada e com futuro é um esforço coletivo. Envolve lideranças empresariais, escolas formadoras, instituições empresariais e políticas públicas. A rotatividade acima dos 70% não é uma condição inevitável. Ela pode ser enfrentada com iniciativas concretas, consistentes e conectadas à realidade atual do trabalhador.
Investir em pessoas é o caminho mais eficiente para melhorar a produtividade, a reputação e a sustentabilidade do setor de alimentação fora do lar. A mudança não será imediata, mas é totalmente viável. Com coordenação, escuta ativa e compromisso com o desenvolvimento humano, é possível reduzir o turnover e criar um ambiente mais saudável, competitivo e atrativo para todos.
*Fernando Blower é diretor-executivo da ANR.



